I - As regras do incidente de intervenção principal provocada dificilmente são compatíveis com a natureza da ação executiva, e só em casos muito pontuais faz sentido equacionar a sua aplicação ex vi do art.º 551.º, n.º 1, do CPC.
1. Em 28-02-2007, JS instaurou execução, para pagamento de quantia certa, contra JBL - Construções, Lda., com fundamento em sentença proferida a 12-01-2006, no âmbito do processo n.º …/…, que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Vila Franca de Xira (cf. requerimento executivo e certidão da sentença junta a 21-12-2022).
2. Foram partes no processo referido em 1., o aqui Exequente, JS, ali na qualidade de autor e o aqui Executado, JBL - Construções, Lda., ali na qualidade de réu (cf. certidão da sentença junta a 21-12-2022).
3. Consta do dispositivo da sentença referida em 1.º seguinte:
“Decisão
Face a tudo o exposto decido:Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:
i) julgo validamente resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o autor JS e a ré "JBL - Construções, Lda." no dia 11 de Junho de 2001;ii) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 418.450,22 (quatrocentos e dezoito mil, quatrocentos e cinquenta ouros e vinte e dois cêntimos), correspondente ao dobro do valor (€209.225,11) entregue pelo segundo à primeira a título de sinal, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos [...].
“Os presentes autos de execução foram instaurados por JS contra JBL - Construções Lda., com a finalidade de pagamento de quantia certa.O título executivo destes autos é a sentença proferida no processo n.º 457/2002, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Vila Franca de Xira, que condenou a executada JBL - Construções Lda. a pagar ao exequente JS a quantia de €418.450,22 – correspondente ao dobro do valor (€ 209.225,11) entregue pelo segundo à primeira a título de sinal – acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas anuais e relativamente aos períodos de tempo indicados na sentença, até integral pagamento. [...]Preceitua o artigo 262º do Código de Processo Civil, que pode ocorrer a modificação subjetiva da instância «b) Em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros.».Os incidentes de intervenção de terceiros mostram-se estruturados em função do processo de declaração – cfr. artigos 311º e seguintes.No âmbito do processo de execução, uma vez que as partes, o objeto e fim são definidos pelo título executivo (cfr. artigo 10.º, n.º 5 e artigo 53.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), justifica-se que só subsidiariamente sejam aplicáveis à execução as normas reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva (cfr. artigo 551.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).Ensina Rui Pinto o seguinte: «Em primeiro lugar, as intervenções de terceiros dos artigos 311º ss. apresentam um regime unitário tipicamente declarativo, na relação dos seus atos com o procedimento da ação pendente e, bem assim, na sua função – extensão do âmbito subjetivo inicial seja do contraditório, seja da sentença final. As previsões respetivas postulam, na sua articulação com o procedimento pendente, uma discussão declarativa que, em absoluto, está ausente do procedimento executivo: maxime, postulam articulados (cf. artigos 312º e 313º nº 1, 319º n.º 3) e sentença (cf. artigo 320º, por exemplo).Portanto, os incidentes gerais de intervenção de terceiros são incidentes declarativos; cumprem funções declarativas.Por contraste, a execução não serve para convencer outrem do direito de alguma das partes, como, por exemplo, para chamar o terceiro contra o qual o requerente pretenda exercer o direito de regresso em ulterior ação de indemnização (cf. artigo 323º n.º 4). O âmbito subjetivo da execução já está predefinido pelo título executivo, pelo que os executados hão de sempre apresentar legitimidade por força dos artigos 53º e ss. e não como resultado de procedimentos de intervenção de terceiros.Afastada, assim, a aplicabilidade funcional das intervenções de terceiros à ação executiva, chega-se à conclusão de TEIXEIRA DE SOUSA: a intervenção principal, como exequente ou como executado, “está restringida, em regra, a sujeitos que constam do título executivo. Porém, essas intervenções de terceiros serão outras que não as autorizadas pela ressalva presente no artigo 260º, ergo estão excluídas pela excecionalidade da mesma ressalva.Em conclusão: a regra vigente na execução é, assim, a da inadmissibilidade de intervenções atípicas de terceiros, seja a que título for e por quem for.».(A Ação Executiva, Lex, 2018, p. 307).
A nível jurisprudencial existe consenso (segundo entendemos) de que não é admissível a intervenção de terceiros relativamente a quem não figure no título executivo.Uma vez que a execução só pode ser instaurada por quem consta no título na qualidade de credor e contra quem figura no título na posição de devedor (cfr. artigo 53º do Código de Processo Civil e ressalvada a verificação de alguma das situações de exceção previstas no artigo 54º, do mesmo diploma legal), é inadmissível o chamamento para ocupar a posição de parte na execução de quem não figura no título executivo.No caso:A Caixa Económica Montepio Geral, S.A. reclamou créditos nestes autos.A Bolsimo – Gestão de Activos, S.A. foi habilitada a prosseguir nos autos em substituição da credora reclamante Caixa Económica Montepio Geral.A sentença que declarou habilitada a Bolsimo, S.A. mostra-se transitada em julgado.A sentença que julgou verificados e reconhecidos os créditos da Bolsimo. S.A. e procedeu à sua graduação com o crédito do exequente, mostra-se transitada em julgado.Nem a Caixa Económica Montepio Geral, S.A., nem a Bolsimo. S.A., figuram na sentença que constitui o título executivo destes autos na qualidade de devedoras, nem o exequente ali figura como credor daquelas. [...]Ou seja, o exequente não tem título executivo contra a Caixa Económica Montepio Geral, S.A. ou contra a Bolsimo S.A. [...]Em suma: inexiste qualquer fundamento legal para a cumulação de execuções ou para intervenção de terceiros da Caixa Económica Montepio Geral, S.A. e da Bolsimo S.A. na qualidade de executadas nestes autos.Contrariamente ao pugnado pelo exequente, a ausência de resposta da Caixa Económica Montepio Geral, S.A. ou da Bolsimo S.A. ao pedido de cumulação sucessiva de execuções ou ao pedido de intervenção de terceiros por parte do exequente, não tem como consequência a sua admissão.Quer a admissão da cumulação sucessiva, quer a admissão da intervenção de terceiros, dependem de despacho judicial que as determine por se considerarem verificados os respetivos pressupostos legais, o que não é o caso.»
- Para fazer intervir na execução o titular do bem onerado com hipoteca, se o credor pretender exercitar nessa mesma execução a garantia real do seu crédito – neste sentido, cf. os acórdão do STJ de 16-01-2014, na Revista n.º 1626/11.2TBFAF-A.G1.S1; de 27-01-2015, na Revista n.º 2482/12.9TBSTR-A.E1.S1; e de 07-10-2021, na Revista n.º 1778/14.0TBBCL-D.G2.S1 (sumários disponíveis em www.stj.pt);- Embora seja mais duvidoso, a hipótese inversa, em que o exequente pretende fazer intervir na execução, ao lado do titular dos bens onerados, o próprio devedor já identificado no requerimento executivo – Salvador Costa considera que o incidente de intervenção principal provocada não é o meio adequado para o efeito, bastando um mero requerimento do exequente “Os Incidentes da Instância”, 11.ª edição, Almedina, pág. 72; em sentido diferente, admitindo o incidente, veja-se o acórdão da RG de 15-06-2021, no proc. n.º 283/10.8TBVLN-E.G1 (disponível em www.dgsi.pt);- Julgada procedente ação de impugnação pauliana, tendo por objeto o bem alienado pelo devedor a terceiro, é possível a execução desse bem no património do terceiro adquirente, podendo o credor mover logo a execução contra o adquirente dos bens, sem necessidade de fazê-los reverter ao património do alienante para aí o executar (cf. artigos 616.º, n.º 1, e 818.º do CC), desde que a execução se mostre intentada (cf. art.º 54.º, n.º 2, do CPC) ou prossiga (com a dedução do cabal incidente da instância) contra o adquirente ou obrigado à restituição (cf. artigos 735.º, n.º 2 e 821.º, n.º 2, do CPC) – neste sentido o acórdão da RL de 12-05-2022, no proc. n.º 21405/16.0T8SNT-A.L1-2 (disponível em www.dgsi.pt).
[MTS]